Embora a aplicação à economia das ideias de Charles Darwin tenha limites conhecidos, não é à toa que o conceito da sobrevivência dos mais aptos ressoe até hoje. Ele pode tanto ser usado para descrever os benefícios da competição quanto para mostrar seus riscos.

Um dos sinais de que um sistema econômico funciona bem é a constatação de que empresas grandes, mas ineficientes, morrem — e as pequenas, mas ágeis e inovadoras, conseguem se tornar grandes. Mas, seguindo na metáfora evolutiva, quando os “peixes grandes” simplesmente engolem os “peixes pequenos”, há algo de errado: é sintoma de uma economia pouco competitiva, nada inovadora, com pouco incentivo para quem quer empreender.

Onde o Brasil se encaixa? No darwinismo do mal ou no darwinismo do bem? Um estudo obtido por EXAME mostra que, infelizmente, estamos no primeiro grupo — apesar dos progressos nos últimos anos, o Brasil é um país onde tudo conspira para que os grandes continuem grandes e os pequenos não saiam do lugar.

Em países como o México, essa distorção acontece em função de monopólios legais que o governo sempre hesitou em atacar (recentemente, o presidente Enrique Peña Nieto deu o primeiro passo para enfrentar os monopólios em setores como o de telecomunicações).

No Brasil, o culpado pela baixa competitividade dos pequenos é o crédito — ou a falta dele. Nos últimos cinco anos, o volume de crédito bancário disponível para as empresas brasileiras dobrou. As emissões de títulos de dívida — como as debêntures, cujos juros são, em média, 60% menores que os dos empréstimos bancários — aumentaram 80%. Só que, até agora, esse dinheiro novo foi quase inteiramente captado pelas grandes empresas.

Um estudo feito pelo economista Carlos Antonio Rocca, diretor do Centro de Estudos do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais, mostra que 78% do crédito disponível no mercado é destinado a companhias que faturam mais de 400 milhões de reais por ano, embora elas detenham 58% dos ativos. Só 0,5% das pequenas e médias empresas já emitiram ações ou lançaram títulos de dívida, ante 6% das grandes.

Até a siderúrgica Usiminas, que teve um prejuízo de 531 milhões de reais no ano passado, emitiu debêntures pagando juros menores que os exigidos de empresas médias lucrativas, segundo bancos que acompanham essas operações. A consequência desse cenário é que o custo de financiamento das pequenas e médias é cerca de 90% maior que o das demais, de acordo com o estudo. “Criou-se no país um sistema de financiamento que é feito por grandes bancos para grandes companhias, e só”, diz Rocca.

Ciclo perverso

Em qualquer lugar do mundo, as empresas de menor porte pagam mais caro para se financiar porque, em geral, são mais suscetíveis ao vaivém do mercado e têm menos poder de fogo para enfrentar adversidades. Mas, no Brasil, a diferença é cerca de 50% maior que em países desenvolvidos, segundo estimativas de executivos de mercado. Lá fora, o acesso a fontes de capital também é um pouco mais “democrático”.

Na Inglaterra, há 1 114 empresas de menor porte listadas na bolsa de Londres, quase metade do total; na Coreia do Sul, são 785, 43% do total; aqui, são apenas três (a fabricante de fertilizantes Nutriplant, a empresa de energia renovável Desenvix e a companhia de software Senior Solution). A bolsa, por aqui, é praticamente inviável para quem não é muito grande.

No Brasil, o valor médio que as companhias captam ao emitir ações é 275 milhões de dólares, um dos maiores do mundo e 16 vezes superior ao da Índia. “Em visitas que fiz a outros países, as pessoas me perguntavam por que não conseguíamos fazer ofertas de ações menores, se fazíamos grandes operações tão bem-sucedidas”, diz Cristiana Pereira, diretora de desenvolvimento da BM&F Bovespa, que, no ano passado, viajou com técnicos do mercado para Austrália, Canadá, Espanha, Inglaterra e Polônia para conhecer os “mercados de acesso” para empresas pequenas.

Qual é, afinal, o problema do Brasil? Um deles é o desenvolvimento ainda incipiente do mercado de capitais. Mesmo com a evolução nos últimos anos, é dificílimo negociar títulos da dívida das empresas depois que eles são emitidos (ou seja, no mercado secundário). Quando um investidor compra um desses papéis, sabe que terá, quase sempre, de mantê-los por alguns anos até o vencimento — ou dar algum desconto para vender antes do prazo.

Isso torna a aplicação mais arriscada e afasta investidores, especialmente grandes fundos que precisam de liquidez. É um problema que afeta todas as empresas, mas é especialmente nocivo para as pequenas, naturalmente percebidas como mais arriscadas. Aí cria-se aquele ciclo perverso: como a demanda é limitada, as ofertas também são, e o mercado não deslancha. Mas esse não é o único problema.

O BNDES, que nunca emprestou tanto quanto hoje, tem dado prioridade aos gigantes do mercado. Do total de crédito concedido pelo BNDES, 67% vai para companhias que faturam mais de 400 milhões de reais por ano, segundo o estudo de Rocca. É menos do que ia uma década atrás, quando o número chegava a 78%. Mas, mesmo assim, é muito. Bancos de fomento deveriam concentrar sua atua­ção em setores e empresas que, além de promissores, não sejam atendidos pelo mercado de capitais ou pelos bancos comerciais.

Nos Estados Unidos, existe uma agência responsável por conceder empréstimos a empresas com receitas anuais de até 30 milhões de dólares, a Small Business Administration, que foi criada em 1932 para ajudar os pequenos empresários durante a Grande Depressão e, hoje, empresta 30 bilhões de dólares por ano para 60 000 pequenas empresas.

Outra dificuldade brasileira diz respeito à abertura de capital de empresas menores. Primeiro, pouca gente está disposta a comprar ações dessas companhias. Quem administra carteiras de alguns bilhões de dólares não costuma ver motivos para deslocar um analista para avaliar uma oferta de 10 milhões ou 20 milhões de dólares de ações com baixa liquidez.

Sobram os investidores individuais, mas o Brasil é um dos países com menor quantidade de acionistas, e o número caiu nos últimos anos — havia pouco mais de 630 000 investidores comprando e vendendo ações na Bovespa em 2010; hoje, são menos de 590 000. O resultado é que empresas médias que querem ir à bolsa acabam se decepcionando.A companhia de saneamento CAB Ambiental, que faturou 280 milhões de reais no ano passado, tentou abrir o capital há três anos, mas a operação não saiu por falta de demanda de investidores. Agora, vai tentar de novo.

Se a operação sair, a CAB fará parte de um grupo de apenas quatro empresas de médio porte listadas na Bovespa. “Precisamos de novas fontes de financiamento e de crédito mais barato para crescer”, diz Mario Galvão, presidente da CAB. Outro entrave são as despesas relacionadas à abertura de capital, que podem tornar a operação inviável para uma empresa pequena. Em países como Coreia do Sul e Inglaterra, incentivos governamentais ajudaram a baratear os custos.

Recentemente, o drama das pequenas ganhou certo destaque quando um grupo de 40 entidades empresariais, bancos e escritórios de advocacia apresentou ao governo uma proposta, espertamente apelidada de PAC-PME, para impulsionar ofertas de ações de companhias médias.

O objetivo é obter incentivos fiscais para empresas que abram o capital. A dúvida é se existe PAC capaz de convencer o investidor a comprar ações de empresas pequenas no Brasil. Mas há razões para esperança. Empresas iniciantes inovadoras têm atraído o interesse de fundos especializados, algo que raramente acontecia uma década atrás. Estudos mostram que, apesar dos desafios descritos nesta reportagem, nunca tantos brasileiros sonharam em ter o próprio negócio.

Para os bancos, ignorar o potencial desse mercado é um risco, ainda mais num cenário de juros historicamente baixos. No ano passado, Bradesco e Itaú emprestaram 204 bilhões de reais a pequenas e médias empresas, 63% mais do que em 2009. As gran­des companhias continuam recebendo a maior parte dos recursos, é verdade. O crédito continua engordando os peixes grandes. Que dê uma ajuda para os pequenos também.