Quatro em cada dez (37%) consumidores inadimplentes admitem que não vão pagar suas dívidas nos próximos três meses. Seja porque não têm condições de arcar com o valor (28%) ou, então, por falta de interesse em regularizar o débito (9%). A conclusão é de uma pesquisa realizada pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pelo portal ‘Meu Bolso Feliz’ com 1.245 consumidores em todas as capitais. O levantamento buscou traçar o perfil do adimplente e inadimplente brasileiro, analisando as causas da inadimplência e o comportamento financeiro dos consumidores.

Quando indagados sobre a principal razão da negativa, 45% dizem que consideram o valor da cobrança abusivo e por isso, nem tentarão negociar com o credor. Sobre as dificuldades enfrentadas para iniciar uma negociação e pagamento da dívida, 36% dos consumidores admitem que o principal empecilho é abrir mão do atual padrão de consumo, ao deixar de comprar produtos que satisfazem desejos momentâneos.

Na avaliação do educador financeiro do ‘Meu Bolso Feliz’, José Vignoli, a resistência em cortar despesas e em mudar o padrão de consumo são alguns dos erros mais comuns para quem precisa ‘sair do vermelho’ e sinalizam a falta de preocupação com o futuro. Exemplo disso é que quase um quarto (24%) dos inadimplentes admite que costuma deixar de pagar alguns compromissos financeiros para adquirir um determinado produto que gostaria de ter. Entre os consumidores adimplentes entrevistados, o percentual cai para 9%.

Outro dado que reforça a conclusão de que os entrevistados com contas em atraso assumem posturas mais imprudentes é que 18% da amostra deste grupo não têm o hábito de pesquisar preços alegando “falta de tempo”. Entre os adimplentes o índice é de apenas 7%. Apenas dois em cada dez (20%) consumidores inadimplentes disseram ter alguma poupança para realizar um sonho no futuro, ao passo que 56% dos adimplentes consideram-se financeiramente determinados para realizar metas de longo prazo e 66% são mais dispostos a poupar para isto.

“A primeira atitude para organizar as finanças pessoais é reconhecer a necessidade de mudar hábitos que colocam o bolso em risco. Dois graves erros são subestimar os pequenos gastos, que passam despercebidos no dia a dia e fazer compras para que as demais pessoas tenham uma imagem positiva ao seu respeito, principalmente, pelas coisas que você possui ou veste. Fazer uma autoavaliação para entender o porquê de não estar honrando seus compromissos financeiros também é fundamental para que a experiência negativa sirva de aprendizado.”, explica Vignoli.

Cortar despesas e renegociar

 

Entre os consumidores entrevistados que demonstram disposição para pagar suas dívidas nos próximos três meses (63%), a maioria (74%) disse que tentará negociar diretamente com o credor, seguido pelos que farão ‘bicos’ para complementar a renda (13%) e pelos que esperam receber dívidas de terceiros (11%). Outros 8% disseram que guardariam o 13º salário para cobrir o valor pendente e apenas 8% pretendem economizar nos gastos do dia a dia.

Dentre a parcela minoritária que pretende economizar para sair da inadimplência, os principais cortes estão ligados às atividades de lazer (56%), compras de vestuário e calçados (38%), alimentação fora de casa (23%), gastos com cabeleireiro e manicure (21%) e compras no supermercado (18%).

Segundo os economistas do SPC Brasil, ao propor um acordo com o credor, é possível conseguir bons resultados como reduzir o tamanho das prestações, obter juros menores e prazos mais alongados. Se a intenção do consumidor for pagar a vista, é possível até pedir um desconto no valor total da dívida. “Essas condições são bem vantajosas e possíveis de negociação em boa parte dos casos. O devedor precisa ser firme e demonstrar que quer pagar a dívida, pedindo os valores atualizados e oferecendo uma contraproposta dentro de suas reais possibilidades. Além disso, é necessário que o consumidor mantenha a disciplina e não realize novas compras, principalmente parceladas, enquanto estiver pagando as prestações da dívida”, orienta Marcela Kawauti, economista-chefe do SPC Brasil

Mulheres e classe C lideram a inadimplência

A pesquisa revela que as mulheres representam 60% dos inadimplentes brasileiros. Já entre os adimplentes, a participação feminina cai para 52%. Considerando a condição social e a faixa etária, percebe-se maior representatividade da classe C (86%) e de pessoas entre 25 e 49 anos (65%) entre os que possuem contas em atraso.

O levantamento mostra ainda que o nível de escolaridade pode afetar o modo como um indivíduo lida com suas finanças. Quanto maior o grau de instrução da pessoa, menor a sua incidência entre o grupo de pessoas com contas em atraso. Oito em cada dez (80%) inadimplentes têm no máximo o ensino médio completo, sendo que 24% terminaram somente o ensino fundamental. “É natural que a inadimplência esteja focada nos extratos médios da sociedade, principalmente se considerarmos que esses brasileiros passaram a ter acesso a crédito barato e desburocratizado apenas em um passado recente e sem saber como utilizá-lo de maneira planejada”, avalia o gerente financeiro do SPC Brasil, Flávio Borges.

Mas a inadimplência e o descontrole financeiro não são exclusividade das classes mais baixas. Em geral, quem recebe salários altos tem acesso mais fácil ao crédito e, consequentemente, mais chances de se endividar. Indivíduos das classes A e B correspondem por 14% dos inadimplentes no Brasil, segundo a pesquisa. “Com muitos zeros na conta, a preocupação com o orçamento acaba sendo menor. Ganhar muito, mas esbanjar muito é um típico exemplo de má gestão financeira”, afirma Vignoli.

A metade (50%) dos inadimplentes é casada, contra 36% de solteiros, 3% viúvos e 10% de separados. Quatro em cada dez inadimplentes (37%) são funcionários de empresas privadas e, portanto, possuem previsibilidade de renda, seguido pelos autônomos (28%), desempregados (13%) e aposentados ou pensionistas (8%).

 

Dívidas superam a renda

O mau uso do cartão de crédito é o principal responsável pela inadimplência dos brasileiros. Seis em cada dez (57%) inadimplentes estão com faturas atrasadas no cartão, sendo que 46% se encontram com o nome sujo por conta dessa pendência não quitada. Nesse tipo de atraso, há uma predominância de pessoas das classes A e B (64%) e compreendidas na faixa de 35 a 49 anos (60%). No quesito gênero, há um equilíbrio entre homens (56%) e mulheres (58%). Vale destacar, ainda, que em 88% dos casos, a fatura está atrasada há mais de 90 dias.

Em segundo lugar no ranking de dívidas em atraso aparecem os cartões de loja, mencionados por 48% dos inadimplentes. Entre as mulheres, esse percentual sobe para 52%, enquanto que entre os homens, a taxa é de 43%. Logo depois, vem os empréstimos com bancos ou financeiras (18%), faturas no cheque especial (17%) e talões de cheques ou carnês (16%).

Mais da metade (51%) das dívidas dos inadimplentes está concentrada entre R$ 500 e R$ 2 mil, mas a média das dívidas em atraso dos inadimplentes brasileiro é de R$ 4.007,00. Ao cruzar os valores médios dos compromissos pendentes e a renda média dos entrevistados, a pesquisa verificou que o montante das obrigações financeiras em atraso dos inadimplentes chega a ser entre duas e três vezes superior a renda desses consumidores. Para quem ganha, por exemplo, de um a dois salários mínimos (até R$ 1.448,00), o valor médio da dívida é de R$ 2.392,99. Já para um consumidor que recebe uma remuneração mensal entre dois e três salários mínimos (R$ 1.449,00 e 2.172,00), a dívida média apurada pelo levantamento é de R$ 4.493,00.

Comportamento reincidente

Apesar de 70% dos consumidores que estão com as contas em dia terem declarado fazer algum tipo de planejamento orçamentário, quatro em cada dez (37%) adimplentes já tiveram o seu nome incluído em algum serviço de restrição ao crédito nos últimos cinco anos. “Há uma rotatividade grande entre o grupo dos adimplentes e inadimplentes. Algumas pessoas aprendem a lição ao experimentarem as limitações de estar com o CPF negativado, mas outras enfrentam dificuldades para organizar a vida financeira e são reincidentes”, explica Vignoli.

Para o educador José Vignoli, é importante que o desejo de consumir não atropele o planejamento orçamentário. Mas não é o que a pesquisa aponta. Quatro em cada dez inadimplentes (40%) admitem que o descontrole financeiro diante das facilidades de acesso ao crédito foi a principal razão que os levaram a não pagar as contas. Apesar de o desemprego se encontrar num nível historicamente baixo no país, ele foi citado por 24% da amostra como justificativa para a inadimplência, seguido pela diminuição da renda (10%) e empréstimo de nome (7%).

“Por mais que o desemprego seja um acontecimento alheio à própria vontade, um consumidor prevenido, contaria com uma reserva emergencial para manter as despesas sob controle, evitando a inadimplência. Formar um ‘pé de meia’ para eventualidades é uma saída para organizar rendimentos e gastos. O recomendado é ter uma reserva financeira com a quantia suficiente para cobrir de três a seis meses de despesas da família”, orienta Vignoli.

Para as mulheres, a falta de controle é lembrada por 44% das inadimplentes enquanto que para os homens, são 38% dos casos. Os jovens também demonstram mais impulsividade. Dentre os que têm entre 18 e 24 anos, mais da metade (51%) atribuem a falta de controle como o principal motivo da inadimplência. O percentual é maior do que todas as demais faixas etárias. Já o empréstimo de nome como causa da inadimplência surge com mais frequência entre os consumidores acima de 49 anos (11%).

“O descontrole financeiro muitas vezes está ligado à falta de informação, de planejamento e até a ansiedades ou inseguranças do ser humano. E em um mundo onde o crédito fácil convive com uma cultura imediatista e consumista, cair em armadilhas do descontrole das contas e da inadimplência é cada vez mais comum e perigoso”, afirma Marcela Kawauti.