A forte retração que atingiu os setores de indústria, comércio e serviços em razão da crise econômica fez com que milhões de brasileiros perdessem seus empregos, afetando o consumo das famílias e desafiando os brasileiros a manter em dia as despesas do cotidiano. A pesquisa “Desempregados no Brasil: Padrão de Vida e Impactos no Consumo e Finanças”, conduzida pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) busca identificar o impacto do desemprego nos hábitos de consumo dos brasileiros nesta situação, e o que eles estão fazendo para pagar as contas e compromissos financeiros.

O levantamento revela que os desempregados têm recorrido a trabalhos temporários e freelancers (37%, principalmente homens, 47%), ajuda financeira de amigos ou familiares (37%, com destaque para mulheres, 42%) e seguro-desemprego (10%) para honrar seus compromissos. Entre os bicos feitos pelos entrevistados, os mais comuns são serviços gerais (18%, principalmente homens, 28%), revenda de produtos (15%, sobretudo mulheres, 24%) e serviços de beleza (11%, também com destaque às mulheres, 21%). Os trabalhos temporários que têm frequência definida são realizados entre três e quatro vezes por semana, em média, mas 46% dos freelancers disseram não ter regularidade. Para 56% dos desempregados que estão realizando trabalhos informais, está difícil de conseguir até mesmo este tipo de serviço. Somente 6% dizem que está sendo fácil arrumar bicos.

Além disso, o estudo apurou que 73% dos entrevistados tiveram queda no padrão de vida devido ao desemprego e somente 8% mantiveram o mesmo padrão sem nenhum aperto financeiro, sobretudo entre as classes A e B (20%). Em média, 39% dos entrevistados disseram conseguir manter o mesmo padrão de vida de quando estavam empregados por até três meses, sendo que 15% deles não conseguem nem mesmo por um mês.

Para Roque Pellizzaro Junior, presidente do SPC Brasil, novas formas de contratação devem ser discutidas para estimular o retorno desses
desempregados ao mercado de trabalho e regularizar trabalhos informais. “Um país sem emprego é um país fragilizado, sem forças para reagir. É necessário que modelos de contratação alternativos sejam discutidos por lideranças políticas, empresários e sociedade civil com o fim de criar novos postos de trabalho”, avalia.

Oito em cada dez desempregados não possuem reserva financeira
O brasileiro, de um modo geral, não tem o costume de guardar dinheiro para imprevistos,conforme revelou novo indicador de reserva financeira do SPC Brasil e CNDL, e a situação entre os desempregados é ainda pior: oito em cada dez (79%) afirmam não possuir reserva financeira, poupança ou investimento, com destaque para as classes C, D e E (80%). Entre os que possuem reservas (18%), 68% não sabem ao certo qual valor têm disponível. Já entre os que sabem (32%), a média é de R$ 4.971. Os principais motivos para guardar dinheiro são imprevistos de desemprego (39%), doença ou morte (31%) e garantir um futuro melhor para a família (19%).

Segundo o educador financeiro do SPC Brasil e do portal Meu Bolso Feliz, José Vignoli, o brasileiro precisa adquirir o hábito de guardar dinheiro para ter um suporte no caso de acontecer algum imprevisto. “É importante que, durante uma situação de conforto, a pessoa cultive o hábito de guardar uma quantia que seja proporcional à sua realidade. Em momentos de necessidade, como a crise que estamos vivendo, essa reserva pode fazer toda a diferença”, explica.

Apesar do desemprego, 65% dos entrevistados não gastam além do que o orçamento permite; três em cada dez estão com nome sujo
Mesmo com dificuldades para arrumar emprego formal ou informal e com alterações no padrão de vida, 65% dos entrevistados dizem que não estão gastando mais do que o orçamento mensal permite. Com um orçamento insuficiente, 56% afirmam estar adotando práticas como comprar coisas mais baratas e pesquisar melhores preços de produtos, 48% dos que possuem reservas financeiras estão utilizando-as e 44% estão fazendo cortes no orçamento. Há ainda 24% que fazem empréstimos com conhecidos, 13% que utilizam o cartão de crédito para comprar o que precisam, e 11% deixam de pagar contas como prestações, crediário, financiamentos e cartão de crédito. 16% dizem não estar fazendo nada de diferente por acreditar que as coisas irão melhorar.
Sete em cada dez desempregados (71%) disseram também que tiveram sonhos interrompidos devido ao desemprego, com aquisição de carro (16%), reforma da casa (15%) e aquisição de imóvel (12%) sendo os principais.

Para Marcela Kawauti, economista-chefe do SPC Brasil, algumas das ações mencionadas como empréstimos e utilização do cartão de crédito são atalhos pouco eficientes porque cedo ou tarde precisarão ser pagos. “Para pessoas nessa situação, o ideal é reorganizar as finanças, para que as contas fiquem dentro da realidade financeira do momento, e cortar ao máximo o que é supérfluo. Sacrifícios podem ser necessários, mas valem à pena, uma vez que essas atitudes podem evitar o colapso financeiro e até a negativação do nome”, aconselha.

Sem ter como comprovar renda, 31% das pessoas entrevistadas têm sentido dificuldades para comprar no crédito, a maioria sendo no cartão de crédito (19%), financiamentos (9%) e carnês (9%). Outros 39% não tentaram comprar no crédito e 29% não sentiram dificuldade.
O estudo revela ainda que três em cada dez desempregados (28%) estão com o nome sujo (aumentando para 31% nas classes C, D e E), sendo que 48% deles têm contas em atraso há mais de um ano e a média de atraso das contas é de 23 meses. Os entrevistados estão com o nome sujo há 22 meses, em média, e o tempo médio sem trabalho é de 12 meses – isso significa que o desemprego não traz inadimplência, necessariamente, mas pode agravar esta situação.

Na maior parte dos casos, as contas em atraso são de cartão de crédito (52%), cartão de loja (40%), empréstimo pessoal ou consignado (19%) e carnês (19%). Sete em cada dez desempregados com nome sujo (73%) não sabem ao certo o valor de suas dívidas, sendo o valor médio de quem tem conhecimento de R$ 3.540.

85% dos desempregados aumentaram hábito de pesquisa de preços e 77% pechincham mais antes de comprar algo
Com uma nova realidade financeira, os desempregados estão adaptando as relações com o consumo. Diante deste cenário, 85% dos entrevistados pesquisam mais os preços antes de comprar, 79% aumentaram a disciplina nos gastos pessoais e da família, 77% estão pechinchando ao comprar algo e 72% migraram o consumo para produtos e marcas similares mais baratas. Essas atitudes tiveram um aumento ainda mais expressivo nas classes C, D e E.

O estudo indica também que os itens que mais tiveram cortes ou reduções fazem parte de gastos relacionados ao vestuário e lazer: compra de roupas, calçados ou acessórios (81%), almoço ou jantar fora e delivery (81%), saídas para bares, restaurantes ou baladas (77%), cinema, teatro ou outras atividades de lazer (74%), alimentos supérfluos (71%) e viagens (66%).

Na opinião da economista-chefe do SPC Brasil, as pessoas devem conservar bons hábitos mesmo empregadas. “Com o desemprego, a pessoa acaba sendo forçada a fazer cortes em itens supérfluos e a gastar de maneira responsável. No entanto, hábitos como pesquisa de preço e reserva financeira devem ser mantidos com a pessoa estando empregada ou não”, orienta Marcela Kawauti.