Uma pesquisa nacional encomendado pelo SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito) para avaliar como o brasileiro administra as próprias finanças mostrou que o grau de disciplina e comprometimento das pessoas com atividades e compromissos simples do dia a dia pode dizer muito sobre a relação delas com o próprio dinheiro. De maneira geral, o estudo mostrou que entrevistados indisciplinados que têm hábitos como o de estudar na véspera de provas, chegar atrasado em compromissos ou ser relapso no trabalho também têm menos controle financeiro do que os entrevistados mais disciplinados.

Inicialmente os pesquisadores estabeleceram três perfis comportamentais para os pesquisados, com base nas respostas de cada um sobre hábitos de estudo, comportamento no trabalho e sobre a postura diante de compromissos simples do dia a dia como o de chegar no horário marcado encontros. Os entrevistados foram classificados como pessoas organizadas, pessoas que tentam ser organizadas e pessoas desorganizadas.

Classificação

Percentual

Descrição

Pessoas organizadas

24%

Estudam/estudavam diariamente, planejam todas as tarefas diárias, sempre chegam no horário estabelecido e seguem suas metas.

Pessoas que tentam ser organizadas

62%

Estudam/estudavam ocasionalmente, procuram se planejar, às vezes se atrasam e estabelecem metas, mas perdem a motivação com o passar do tempo.

Pessoas desorganizadas

14%

Estudam/estudavam somente na véspera da prova ou não estudam/estudavam hora alguma, se atrasam muitas vezes, às vezes estabelecem metas, mas raramente conseguem atingí-las e, ainda, não costumam se planejar nunca

Cheque especial

Os pesquisadores identificaram um descolamento comportamental entre os três grupos logo nas primeiras perguntas sobre a estabilidade financeira de cada um. A pesquisa revela que o percentual de entrevistados desorganizados que já entrou alguma vez no cheque especial, por exemplo, é mais que o dobro em relação à parcela de consumidores organizados. O percentual é de 11% entre os consumidores organizados, de 21% entre os que tentam ser e de 25% entre os desorganizados.  “Ao contrário do que diz o senso comum das pessoas, as causas do descontrole financeiro não estão relacionadas à classe social ou ao grau de escolaridade do consumidor, mas ao comportamento de cada um. De maneira geral, vimos que pessoas organizadas e planejadoras têm uma gestão financeira mais saudável e totalmente coerente com o restante das práticas do dia a dia”, comenta a economista-chefe do SPC Brasil, Luiza Rodrigues.

Fim do mês

Também foram detectadas diferenças comportamentais nos três perfis quanto à gestão das despesas de casa. Quando perguntados se conseguem chegar ao final do mês com todas as contas pagas, os organizados não têm dúvidas: 64% respondem que sim e que “ainda sobra um pouco de dinheiro”. Por outro lado, a parcela que responde sim a esta pergunta entre os que tentam ser organizados cai para 45% e chega em 39% entre os entrevistados desorganizados.

Preparo para emergências

A pesquisa também mostrou que a desorganização tem reflexos no preparo do consumidor para emergências. Em uma situação hipotética de emergência — como perda de emprego ou problema de saúde — 50% dos entrevistados organizados teriam como recorrer à poupança ou a outro tipo de aplicação para sair do sufoco. O percentual entre os que tentam ser organizados e recorrem a esse tipo de reserva é de 41% e cai para 36% entre os desorganizados.

Segundo os pesquisadores, uma análise conjunta dos dados demonstra como as pessoas organizadas tendem a manter uma gestão financeira mais saudável no dia a dia, coerente com seus comportamentos em geral. Elas demonstram não comprar além das possibilidades, ter controle das contas e saber o momento correto de recorrer à poupança. Por outro lado, os desorganizados caminham em sentido oposto – porém o comportamento é condizente com a falta de planejamento em outras atividades diárias em geral.

Os pesquisadores concluíram ser possível fazer uma correlação entre a desorganização das vidas pessoal e profissional com o descontrole das finanças. Os dados demonstram que os aspectos comportamentais e culturais de cada um têm impactos determinantes na gestão do próprio patrimônio. “A pesquisa reforça a tese de que os hábitos e valores que foram construídos desde cedo no ambiente familiar serão determinantes ao longo da vida do cidadão como consumidor. Isso torna ainda mais relevante implementar iniciativas relacionadas à educação financeira junto a crianças e adolescentes — não de forma isolada, mas de uma maneira interdisciplinar”, afirma a Luiza Rodrigues.

Uma parcela significativa da amostra revelou-se desorganizada e suscetível a um ambiente que favorece uma cultura imediatista, onde organização, planejamento e controle se tornam medidas difíceis a serem adotadas e cultivadas. Além disso, na visão do SPC Brasil, o recente boom da oferta de crédito deu uma repentina oportunidade de compra às pessoas, sem orientá-las sobre como consumir de forma consciente.

Para o SPC Brasil, o descontrole financeiro não tem origem na mera dificuldade de se traçar um bom planejamento do orçamento pessoal ou doméstico. “O descontrole tem origem em problemas estruturais e comportamentais, o que exige iniciativas muito mais abrangentes relacionadas ao histórico da educação financeira no país para mudar essa realidade, principalmente em tempos marcados pelo consumo em excesso e em que o ato de comprar está relacionado a uma maneira de se expressar.

Metolodogia

A pesquisa sobre Educação Financeira no Brasil foi realizada entre os dias 18 e 24 de dezembro de 2013 e entrevistou 656 consumidores de todas as classes econômicas, das 27 capitais brasileiras. Foram consideradas apenas as pessoas com mais de 18 anos e que possuem renda própria (excluindo analfabetos). A margem de erro do estudo é de 3,8 pontos percentuais para um intervalo de confiança de 95%.